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Channel: Ainda a Poesia
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Carta para Victor

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     Gostava de contar-te, meu amigo, donde habito, vai para quatro meses, junto com a minha companheira. Uma partilha que, a todas as horas, de meu pequeno Mundo, sempre consegue emocionar este meu coração cansado e já convenientemente sofrido, como tu o bem sabes. Para ser mais sincero, poder-te-ia dizer que, apesar do nome pomposo de "Residencial São Vicente", em boa verdade estamos a falar de um conjunto de prédios, com vários apartamentos, defronte um do outro. Porém – repara na singeleza destas pequenas coisas –, quando aberta a janela de nosso quarto, minha alma regozija-se, ante tanta sinceridade e um muito bem cuidado jardim, fértil de mil aromas, aves canoras e bem-te-vis, chega até mim, como se de melodiosos arranjos musicais, aqui tratasse. Sim! E os meus sentidos, de tão apurados, extasiam completamente, como que aflorados à superfície da derme, e dou por mim fantasiando, como se ali fosse um qualquer e bem distinto lugarejo, quase infantil, de uma restrita mas não interditada Vila "Liliputiana", no seu corre-corre constante. As flores são sempre as mais bonitas e as cores, de vários matizes, logram a atenção dos vizinhos que passam, na azafama diária de seu dia-a-dia, a caminho do trabalho ou da escola, ou então chegando a casa cansados, fixando nelas os olhos, parecem enaltecer aos céus, a dádiva recebida.

       Deixando de lado os prédios e corredores atapetados de verdura, eis que finalmente o paraíso é uma extensa realidade.

       Árvores enormes e frondosas, dão-nos as sombras necessárias, que os três bancos de jardim não poderiam ter escolhido melhor, onde repousar seus corpos. Tudo isso são segundos que mastigo lentamente, enquanto desfruto do prazer da leitura, de um bom livro, ou – como agora – redigindo-te estas simples palavras.

       Perto há uma casa de bonecas, suficientemente espaçosa para que lá caibam alguns dos petizes aventureiros, com uma porta, tipo "saloon", tem janelas com cortinas e até bancos, onde normalmente se discutem os problemas administrativos relacionados com a casa, de que te venho falando, Victor.

      Não se pense contudo que os mais graúdos, foram esquecidos ou que houve aqui algum ostracismo, deste que te escreve... para esses tem o jogo de football ou volleyball, havendo ainda uma de duas piscinas, onde podem largar toda a adrenalina e deixar os moços em paz, na outra, de chão raso...

     Foi inaugurado, dias atrás, um novo espaço, junto à piscina dos mais velhos precisamente, semelhante às termas romanas, um recinto em "L" levantado por grossas piras de madeira, onde assenta um telhado cru, da cor do barro. Dois fornos sustentam a gula dos compadres, que, sofrendo dos efeitos do álcool ou do calor (ou dos dois à mistura), soltam "carvalhos" e outros que tais, no correr das mesas, dispostas em ala.

    Mas, meu amigo, tudo isto me fascina, o simples facto de estar a escrever-te esta carta, deixa-me na boca sensações que nunca tivera antes, e o mais belo ainda vem pela noite, com o murmurejar das densas árvores, as luzes românticas dos candeeiros, que há no jardim, de quando vou levar o lixo à rua em sacos individuais: orgânico de um lado, seco do outro, calção e chinelo pelo pé. Boa noite, meu caro.

Jorge Humberto
10/02/05


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