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CRÓNICA DE UM BURGUÊS… que também era lunático

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Olá, o meu nome, é Sete-e-Meio, mas as pessoas conhecem-me mais como o Seteiro, do Meridiano Setentrional, ali para os lados do Bairro da Picheleira, bairro típico de Lisboa.

Quem me conhecia muito bem aliás, eram os profissionais, da 12ª Esquadra, da P.S.P, acusavam-me eles de bombardeá-los, com as Azedas que, todas as manhãs, colhia e ruminava, junto ao Mercado, do supra acima citado.

E embora de tais infames calúnias, nunca viesse a livrar-me, mantenho e digo-vos, meus amigos, que sou e sempre estive inocente.

Não sei, se daí derivado, mas o facto é que tornei-me num homem revoltado e, fruto disso, enquanto ainda Estudante (privilégio só de alguns, à época), já eu deambulava por grupos estudantis, de

Azeda Amarela ao peito (com um pequeno punho cerrado, bordado numa das orlas), reivindicado por um Mundo melhor, dando voz aos que viviam amordaçados, por um corpo de polícia que, como já vos havia descrito, limitava-se a fazer acusações e a injuriar as pessoas, ao estas passarem pela esquadra, hirta Azeda, pela mão.

Foram anos difíceis, para todos nós, estes que vos relato, feitos de muita persistência e sacrifícios pessoais, mas foram igualmente anos de crescimento, enquanto homem e ser humano, onde a solidariedade, de uns para com os outros, era o que melhor definia, na altura, a luta então travada, contra os que nos queriam calados e subjugados.

E assim foi que, seguindo esta minha cruzada, planeando cada vez mais novas acções, contra os poderes Instituídos e arregimentado jovens – que, como eu, estavam prontos, a ir de porta em porta, levando a Azeda Palavra, símbolo de todo um povo massacrado –, numa noite certa de sobressalto, fui preso, pela então policia dos bons costumes, acérrimos inimigos, das Azedas em flor.

Diz-se da vida, porém, que ela sempre acaba por ser justa, que tal como tira também dá, bastando-nos, para isso, apenas estar atentos.

E posso confirmar a veracidade destas palavras, quando, julgando tudo perdido, nas comemorações, do meu primeiro aniversário, enquanto preso político, recebo na minha cela, a visita de antigos membros, da Azeda Amarela.

Hoje também eles, homens de família e pais de filhos, que não querem contudo esquecer, o seu papel de agentes, de uma nova mentalidade, nesta sociedade tão globalizada.

Traziam consigo, aquilo a que eu agora apelido de, «A Redescoberta da Icterícia», uma nova e eficaz arma, na luta contra a opressão e a censura, da liberdade de expressão, motivo pelo qual eu havia sido preso e de minha prisão, injusta e parcial.

Chamavam, à nova arma, «Personal Computer», que era basicamente uma caixa, com imensos botões, mas de um alcance tremendo.

Foram pois, noites e noites, de uma aprendizagem sistemática e devotada, a que confinei, a partir desse dia, a minha vida, na prisão, a fim de perceber todos os contornos e as imensas possibilidades, que essa maravilha da tecnologia, teria ainda para oferecer-me, num futuro não muito longe, de modo a ficar apetrechado, para assim poder bem servir, a meus propósitos, na luta contra as injustiças, deste Mundo.

Até tornar-me no profissional, experiente e experimentado, na arte do manuseamento, de  computadores, que hoje reconheço em mim, com um aperfeiçoamento, mais na área dos subprodutos e afins, como é exemplo, os correios electrónicos, de onde sobressai o Outlook, entre outros.

Acresce dizer aqui, que os únicos tempos disponíveis, nesta minha tremenda empreitada, eram dedicados à minha outra paixão: a Marinha.

Não posso, por isso, esquecer, aos amigos, que, numa demonstração, de efectiva amizade, a cada nova visita, sempre faziam questão, de levar com eles, o último grito, em matéria de «Kits» desmontáveis, dos quais ainda guardo, a alguns «Galeões» Espanhóis e «Trirreme», Romanos, devidamente coloridos e ornados a preceito.

Ainda assim, passaram-se os anos, sem que deles apercebesse-me, e com eles os sonhos e as lutas, de outrora.

Hoje sou um homem, sem anseios nem porque lutar, salva-se porém, das muitas horas sem dormir

e de todo o esforço empregue, o conhecimento adquirido e tudo o que agora faz de mim, um dos mais experientes navegadores, da rede mundial, da Internet.

Já da Azeda Amarela, só eu restei, mais uns quantos «Kits» descartáveis, de barcos e de outros objectos náuticos – frustração de uma vida.

 

Mas… deixemo-nos disso. Para continuarem a saber de mim, nada de mais fácil: eu sou o Sete-e-Meio, o homem da Azeda Amarela, mestre em subprodutos tecnológicos, velho e de mau carácter, por via de uma vida aziaga e rude, com o que foram os meus sonhos de antigamente, em suma um ser vil, que hoje conheceis de andar a maltratar-vos, de Outlook em Outlook, inquinando-os com todo esse meu fel, de Azeda Amarela, em flor.

 

Jorge Humberto

(02/08/2004)


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